Publicado em
21/01/2011 | Cícero Urban | Gazeta do Povo
CÍCERO URBAN
Médico Oncologista e Mastologista
Professor de Bioética e Metodologia Científica
Curso de Medicina e
Pós-Graduação
Universidade Positivo
Curitiba PR
Vice-Presidente do
Instituto Ciência e Fé
Em 2010 mais de 7
milhões de pessoas no mundo morreram de câncer.
Cerca de uma em cada três desenvolverão essa doença
durante sua vida. Essa é a crônica de uma doença
milenar, mas que representa um dos maiores problemas
para a saúde pública mundial. Ou, mais do que isso,
uma metáfora médica, científica, política e
psicológica – a praga da nossa geração. Também
denominado como o imperador de todas as doenças.
A questão fundamental
na era da nanotecnologia e da proteômica, e que
ainda resiste em sua biografia, apesar de todos os
avanços recentes, é se o câncer existirá no futuro,
ou seja, se será possível erradicá-lo da nossa
sociedade para sempre.
No fim de tudo, o
câncer começa e termina com as pessoas. Um drama
pessoal e familiar, onde somam-se o medo da morte e
da mutilação, à esperança da recuperação e da cura.
Do ponto de vista científico, trata-se do
crescimento incontrolado de uma única célula, a
partir de mutações que, ao modificar o DNA, provocam
uma desregulação nas divisões celulares. Uma célula
normal, em condições adequadas, possui um número
limitado e previamente programado de divisões
celulares.
Em Oncologia jamais
será possível separar a ciência da arte, a razão do
instinto, e o dado biológico das emoções. A técnica,
ainda que muito avançada, não superará a grande
missão de humanidade do médico. Existe uma
cumplicidade entre o paciente oncológico e o médico,
talvez a mais profunda em toda a medicina.
“A senhora tem seis
meses de vida.” O câncer não tira a vida, ao
contrário, lhe dá uma outra, completamente diversa.
Muitas vezes coloco às minhas pacientes de câncer de
mama que a diferença entre elas e as pessoas que não
tem câncer é que elas estão despertas. Ou seja, têm
consciência da fragilidade e vulnerabilidade que
estão presentes em todos nós – basta estarmos vivos!
Afinal de contas, todos, um dia, seremos incuráveis.
Este doloroso despertar pode nos fazer melhores. Nos
dar coragem para transformarmos o mundo em que
vivemos – e transformá-lo para melhor.
O jovem estudante de
medicina aprende a ver o paciente como um quadro de
Picasso: dividido em tantas formas separadas. Ele
aprende desde cedo a mascarar seus sentimentos e até
mesmo a negá-los. A sua atenção está direcionada
muito mais para a Biologia Molecular, para a
tecnologia e para a doença. O próprio cadáver na
sala de anatomia ensina, ainda que sem a intenção
disso, que ver é mais importante do que escutar. Ao
final, o médico conhece muito pouco sobre o doente
e, quando se depara frente a um paciente terminal, o
despreparo se transforma em angústia e, no estágio
mais avançado, o mais grave: a distância e a falta
de empatia.
O oncologista hoje tem
tudo o que todos os nossos ancestrais sonhavam: um
tratamento sob medida para cada doença.
Paradoxalmente isso nos afastou dos pacientes. Por
isso é necessário um renascimento do humanismo
médico, como já afirmamos tantas vezes. Afinal o
PET-Scan e a ressonância magnética não revelam a
mente e o espírito dos nossos pacientes. Uma
paciente com câncer de mama pode estar curada com um
anticorpo monoclonal de última geração, mas ter
perdido todo o sentido de viver – morrer em vida.
Portanto o que deve
ser buscado na Oncologia e na Medicina como um todo
é a cura da pessoa humana. Isso vai além da
tecnologia e representa uma grande mudança de
paradigma no ensino médico e na cultura das práticas
de saúde. Enquanto nas decisões de saúde pública e
de saúde complementar, não se priorizar e, de fato,
se valorizar o contato entre o médico e o paciente,
continuaremos com a ilusão de que podemos tudo com a
técnica, deixando um grande vazio por detrás de uma
atividade que é e sempre foi eminentemente humana.
No fim, o câncer será
vencido um dia, mas novas doenças surgirão para
desafiar o espírito humano. A arte, por outro lado,
resistirá.